quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Reflexão acerca do próximo jantar de uma família desavinda

O Partido Socialista irá a este congresso declarar a continuidade dos cuidados paliativos e quase todo o aparelho tem essa consciência. E como num qualquer hospital, diferentes são os pensamentos dos que se abeiram à cama do enfermo: uns, chorosos, vêem o seu projecto a ruir, o Socialismo tão moderno que criaram deslumbrou-se com o ritmo alucinante dos novos tempos, a tal ponto que ainda ontem saiu da maternidade e já hoje está a um suspiro da morgue. Estes estão inconsoláveis e certos do fim próximo do seu ente querido, mas acenam afirmativamente perante a introdução dos químicos, que lhe adiam a morte. Outros, os que por ele quase haviam sido proscritos e deixados fora dos almoços e dos jantares de família, olham maliciosamente para o seu travesseiro, pensando o quão fácil seria pressioná-lo contra a face do moribundo e prazerosamente contemplar a sua agonia. Pensam, pensam, mas não o executam. Tal acto suscitaria mal estar entre a família e eles querem regressar ao seu convívio brevemente. Em boa verdade, até aguardam por um fim mais faustoso: muitos espasmos, alguns jorros de sangue, demorados revirar de olhos, em suma, vis manifestações da derradeira hora, com as quais uma prematura almofada não se compadece. Assim, estes esperarão, não pacífica, mas avidamente, a vaticinada chegada do anjo da morte, seja ele Vitorino, Costa, Seguro ou até a sua mais sagrada representação, Maria, não a virgem, que tem já muitas beatas imprecações, mas uma outra, ou outro, que se apresta na sua filosófica torre de marfim. Assim gostaria esta ala da família, mas não parece que Deus, seja ele quem seja no partido do agnosticismo, o tome por seu emissário. Tal não prognosticam os oráculos dos canais de notícias e eu partilho do seu cepticismo. Deus poderá ser omnisciente, omnipresente e omnipotente – mas é sobretudo previsível.
Estes são parentes desavindos, é certo, mas comungam da mesma crença: a morfina que hoje aceitam não mais fará do que prolongar uma letargia a qualquer momento sentenciada. Por quem? Não ouso dizer o seu nome, esse meu acto conspurcá-lo-ia. Sou um mortal e não me está reservado o privilégio de designar uma entidade supra-divina, sumamente honesta e supremamente conhecedora. Sendo assim, retiro-me, não sem antes recordar que, se os Deuses não dormem, o que será de esperar de tão sublime ser? Vigília constante, receio ser a resposta.

1 comentário:

JL disse...

Ao abraçar a chamada 3ª via, para atingir o cobiçado socialismo, os mercados foram [re]descobertos. Portanto, o tempo foi passando e com ele esqueceu-se em qual das gavetas se tinha colocado o socialismo.

Alguns dos militantes do PS devem gritar, para dentro: Aires Rodrigues, Carmelinda Pereira e Manuel Serra voltem, estão perdoados.