Boa noite caros leitores. O autor deste blog tem o prazer de vos confidenciar que num momento em que devia reflectir acerca do sentido da existência, a fim de redigir um trabalho para a disciplina de filosofia, se viu na obrigatoriedade de vir revelar uma história que considerou assaz interessante.
Carlos Manuel, um pouco à semelhança de todos os portugueses, rejubilou ao ver a última entrevista feita a José Sócrates. Ele, Carlos, nunca pensou ser tão do seu agrado um momento televisivo dedicado à política, habituado que estava a desancar, com suprema autoridade, nessa "classe de parasitas", segundo declarações recolhidas no breve intervalo que sucede a sucção de um caracol e o tragar de um outro, na tribuna do Aires.
Qual o motivo de tão súbito agrado? Sabem, Carlos Manuel é um característico português que tende para este desígnio nacional da chico – esperteza, revertendo em seu favor mesmo a mais rebuscada das situações. Quando escutou o primeiro – ministro José Sócrates proclamar que " o mundo mudou em três semanas" e que, se tomava medidas de austeridade que pouco antes havia execrado, era porque a situação envolvente determina, em muito, o poder de decisão de um homem.
Precipitou-se no seu projecto… Há muito que fitava uma rapariguinha bem torneada a quem, de soslaio, deitava uns olhares penetrantes aos quais ela não se furtava, conhecedora do passado de Carlos Manuel como oficial da GNR, no tempo em que os perus amnésicos e o verde papel do esquecimento eram parte da carteira profissional. Nessa noite o acto foi consumado.
No dia seguinte, os ecos da adúltera relação já ressoavam no bairro inteiro – consta até que os Gato Fedorento foram despromovidos na sequência deste episódio, ficando a publicidade do Meo Fibra a cargo da Virgínia parteira, da Zulmira zarolha e da Quitéria dos desmanches. A esposa de Carlos Manuel soube do sucedido. Por conseguinte, foi de encontro a Carlos Manuel com o espírito enraivecido e olhos coléricos, clamando por explicações. Este, bonacheirão, esboça um sorriso mais rasgado do que o de um vendedor de enciclopédias, advogando que a culpa não era sua. Ela, do fundo da sua indignação, perguntou-lhe como fora ele capaz de a trair, quando dias antes lhe havia jurado amor eterno no aconchego do leito. Carlos Manuel, reerguendo-se na cadeira e com um rasgo de triunfo nos lábios, alega que o mundo tinha mudado. O ambiente de escuridão, em que fizera essa confissão, em nada se comparava com a ebulição do instante em que o remate do decote da rapariguinha gingou num movimento convidativo, transportando-o para uma outra noção de espaço e tempo. Em suma, a culpa não era sua, a envolvência caliente conduziu-o a adoptar uma conduta que jamais poderia equacionar na quietude da alcofa. A esposa, assim como a maioria do povo português, compadeceu-se com a justificação. Soltou uma lágrima, recriminando-se por ter odiado alguém que não podia antever o movimento das rodas da História. Em verdade, reconciliaram-se de imediato, regressando ao seu estimado leito e encetando uma caixa de preservativos com uma taxa de IVA de 21%.
Post Scriptum: A mulher de Carlos Manuel estava a passear pelo Algarve, quando senão encontra ocasionalmente Manuel Pinho. Este faz-lhe um gesto em que aproximou dois dedos hirtos à sua testa; ela, pensando tratar-se de um trejeito característico do golfe, ignorou e prosseguiu despreocupada.