sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Da inquietação do 25 de Novembro, às inquietações do tempo futuro?

«Se queremos encontrar um centro no processo», afirma António Telo (Portugal Contemporâneo, p. 96), «ele foi o MFA e não o PCP» . No entanto, este autor não deixa de entrar em certa contradição, ao denominar o período balizado entre o 11 de Março até ao 25 de Novembro de: «deriva comunista». Há haver uma «deriva», ela é uma deriva ideológica no interior do MFA e não, somente, comunista. A tese da «deriva comunista» implica dar demasiada ênfase ao projecto afecto ao PCP, tirando, por seu turno, a devida importância ao MFA e aos moderados. Os Capitães de Abril acabariam por ser também Capitães de Novembro, no entanto se no primeiro mês estavam unidos numa batalha conjunta, em Novembro acabam por se confrontar entre si, originando respectivamente um grupo de vencidos e de vencedores. É, efectivamente, importante uma análise ideológica aos militares que conduziam o destino do país nessa época. Claro está, que o MFA era pouco politizado desde dos seus primórdios, — havendo poucos militares politizados como Vasco Gonçalves e Melo Antunes —, tem sido um defeito da historiografia em não acentuar a deriva ideológica do MFA ao longo do processo. Tomemos o exemplo de Pinheiro de Azevedo e Morais da Silva, estes militares rapidamente movem-se do sector gonçalvista para o sector moderado, havendo ainda exemplos de militares da área de Spínola, — como Otelo Saraiva de Carvalho e Carlos Fabião —, que abraçam ou pactuam com a extrema-esquerda. Alguns dos militares da aérea do PCP revelam autonomia face ao partido, acabando, por exemplo, apelar ao voto em branco nas eleições (Almirante Rosa Coutinho), e outros desabafaram as interferências do partido. Há militares, conectados com o PCP, que no 25 de Novembro tomam posições contrárias à do partido, pois numa altura que o Comité Central assumia que se tinha avançado velozmente e a revolução estava ameaçada, sendo vital negociar uma retirada sem perder o essencial, militares como Duran Clemente e Diniz de Almeida pronunciavam-se a favor da distribuição de armas aos trabalhadores. O decisivo comportamento dos pára-quedistas de Tancos ao longo do processo é, em si, um outro exemplo da fraca politização dos militares. A esta luz, fica visível que a ideologia dentro do MFA tinha um sentido muito lato, que com a publicação de vários documentos, produzidos por militares do MFA, originará a implosão da unidade no MFA.

Em suma, é imperativo estudar as várias trajectórias contrárias dentro do MFA, e de que forma se estendiam à sociedade civil e aos partidos políticos. No entanto, é necessário ter em conta que a instrumentalização dos militares do MFA por parte dos partidos políticos é algo labiríntico, pois na prática a ideia de que os gonçalvistas seriam todos controlados pelo PCP e os moderados pelo PS/PSD, é uma ideia limitada, inclusive diversas vezes esses sectores militares mostravam repulsa pela interferência partidária. É de crer que os militares tinham, verdadeiramente, projectos para o país.

Em relação à análise da suposta Guerra Civil, o factor psicológico da camaradagem/amizade, que, todavia, nunca deixou de haver entre as chefias do MFA, não é ainda devidamente salientado. Dificilmente os militares que tinham combatido ombro a ombro durante anos no Ultramar, e que tinham conjuntamente arriscado a sua carreira e vida na concretização da operação «Fim Regime», pegariam em armas para aniquilar militares seus conhecidos para tomar o poder. Por exemplo, o telefonema que Melo Antunes terá feito para Otelo pouco antes do 25 de Novembro, o convívio entre Otelo de Saraiva com Jaime Neves na hora da prisão do primeiro e amizade entre Vasco Lourenço e Otelo são elucidativos da intimidade/delicadeza existente no MFA. O discurso de uma Guerra Civil foi um tema bastante politizado e propagandeado pelos partidos, nomeadamente os que dominavam eleitoralmente, cuja a historiografia ainda não conseguiu deslindar. Na conjuntura conflituosa havia espaço para as demonstrações de força, no entanto transformar tais demonstrações numa possível Guerra Civil não era objectivo.

O 25 de Novembro continua a ser, porventura, o episódio mais nebuloso da história recente de Portugal. Ao contrário do outro 25 — o de Abril — este, o de Novembro, marca o início do fim do apogeu dos movimentos sociais, da presença das FA´s no quotidiano civil, e de uma certa forma de cidadania. Com efeito, o fim de uma época. Mesmo, sendo um facto que o 25 de Novembro não perfaz o fim do objectivo socialista para o país, sendo inclusive, aprovada uma Constituição progressista embebida no espírito do PREC, que consagra uma Reforma Agrária, um Concelho da Revolução e as nacionalizações como irreversíveis, na verdade é que desde daí tem havido somente retrocessos. No fundo, o processo revolucionário português contêm uma singularidade fundamental para a compreensão do processo, que tem escapado à historiografia; o facto de se ter tentado fazer uma revolução sem revolucionários.

2 comentários:

Diogo Martins disse...

Achei a análise muito equilibrada. Como alguém diria, foi uma exposição muito justa, sensível às várias nuances da história recente, que muitas vezes são branqueadas pelos historiadores de barricada, impregnados de preconceitos ideológicos. JL rumo à sua tese de mestrado!!!

JL disse...

Epá, ver vamos se o rumo do JL vai ser mesmo esse...
abraços