sábado, 24 de dezembro de 2011

.oH oH oH!


.Pai Natal, InêsOink

.O Tacadas no Ar, deseja a todos os seus leitores um Feliz Natal e um Bom Ano 2012! ( :

sábado, 17 de dezembro de 2011

.Cesária Évora



.«Tudo à minha volta era música».

Vamos ter saudades! ) ,:

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Breve lição a João Duque


Sumário – A semântica e o simbolismo

Há ensinamentos elementares que o doutíssimo professor João Duque parece desconhecer. Em particular, aqueles que se prendem com o alcance mais imediato do seu discurso. Isto não seria particularmente preocupante para João Duque, se nos últimos tempos não tivesse pulado da cátedra da universidade para a cátedra das cadeias de televisão. Mas, uma vez aí chegado, aquelas sombrias figuras governamentais que o projectaram para as luzes da ribalta deveriam ter pensado em instruir o seu tecnocratazinho em estratégia comunicativa, salvaguardando-se a eles de ficar associados aos desvarios de discurso do professor e a nós de escutarmos declarações ofensivas ao nosso passado e memória colectivos. Pode custar a crer, mas é verdade. Há dias, na qualidade de presidente do grupo de trabalho sobre o serviço público de comunicação social, vulgo Comissão Relvas para os mais corrosivos João Duque sentenciou a sua exposição com a frase: “A bem da Nação!”. A meu ver, este gesto foi totalmente hediondo. Passo a explicar a razão da minha indignação ao digníssimo professor.
Como deveria ser do seu conhecimento, há palavras ou expressões cujo significado é muito mais vasto do que a sua dimensão literal. Em rigor, a História encarregou-se de, em vários momentos, advertida ou inadvertidamente, de encarcerá-las em fragmentos do tempo, inapagavelmente marcados por um acontecimento de vulto, uma citação célebre ou um simples acaso do quotidiano que, graças aos insondáveis desígnios dos cosmos, merece ainda a nossa pronta associação vocabular.
Se não, vejamos. Se nos referirmos à terceira via, dificilmente estaremos a falar de uma Auto-Estrada. Isto porque por este nome foi eternizada a sinuosa, atribulada e pouco consensual tentativa de fundar uma alternativa política ao curso que o pensamento socialista estava a tomar e, convenhamos, nem mesmo o mais ortodoxo e dedicado dos engenheiros civis teria a ousadia de vislumbrar um quilómetro de macadame nesta expressão. Assim como ninguém espera que o aforismo “O trabalho liberta!” se adeqúe, na perfeição, aos trabalhos de olaria do Senhor António, pensionista que se dedicou à nobre arte de trabalhar o barro, para se libertar das amarguras da solidão. Não sei quanto a ele, mas eu não levaria muito a bem que o meu hobby fosse conotado com a máxima que coroava os portões do campo de concentração nazi, em Auschwitz. De igual forma, dando um derradeiro exemplo, se, como autarca, incluísse no discurso de inauguração de um novo jardim a citação “Que cem flores floresçam!”, seria muito improvável que fosse tomado como um edil especialmente auspicioso em relação à fertilidade do solo. Pelo contrário, creio que iriam surgir uns risinhos abafados, vindos dos elementos da direita social-democrata, que na sua maioria, justiça lhes seja feita, guardam afectuosamente na sua memória os ensinamentos do Grande Timoneiro, estudados noutras núpcias.
Em suma, o que procuro advogar é que há expressões, que por múltiplas circunstâncias, viram-se plenamente espoliadas do seu sentido intrínseco, encontrando-se hoje irremediavelmente consignadas à dimensão associativa do seu significado. Bem sei que o professor João Duque é ideologicamente avesso a qualquer tipo de expropriação e, lá onde quer que esteja, está já a estrebuchar – e sabemos que há até a possibilidade de estar em vários lugares ao mesmo tempo, tamanha é a sua omnipresença nos órgãos de comunicação.  Mas, meu caro professor João Duque, felizmente há realidades que nem mesmo o mais desleal dos grupos de trabalho, composto pelos mais afamados dos intelectuais a soldo, pode distorcer ou alterar. Uma vez assimiladas pela nossa matriz cultural colectiva, as suas próprias palavras deixam-no do ser. O significado dos símbolos não fica ao critério de quem os evoca. O seu significado, pelo contrário, é universal e independente de quem o profere. Soubesse João Duque disto e ficaria abespinhado. Como é que poderiam os símbolos não respeitar a sua individualidade?! O seu discurso era propriedade privada, logo tinha de ser respeitado, ora essa! E começaria logo a congeminar a forma de legitimar a privatização da semântica. Diria ele que a semântica era uma área a controlar, porque, se hoje, expropriava a acepção de uma expressão, amanhã irromperia pelo Alentejo adentro, a gritar “Fora os latifundiários!”. Este despautério advinha, claro, de ser pública, pelo que semântica teria de ser privatizada! Felizmente para nós, professor, por maior que seja a sua convicção e impetuosidade privatizadora, ainda não é possível vender a língua portuguesa em mercado de acções.
Mas, pensando bem, talvez não soubesse. Porventura estaria mesmo convicto de que “A bem da nação!” meramente se referia ao interesse nacional. Porventura desconheceria que “A bem da nação!” servia de término a todos os comunicados oficiais durante o Estado Novo, bem como porventura, ainda, desconheceria que, ao recorrer a um instrumento discursivo inconfundivelmente associado a um regime, está implicitamente a declarar-lhe apoio. Estaria a enaltecer um regime repressivo, totalitário, avesso à mais elementar das liberdades individuais, que respondia às opiniões contrárias com o encarceramento, tortura e assassinato dos opositores, responsável por uma guerra colonial fratricida, na qual morreram cerca de 8000 jovens soldados portugueses e responsável por políticas económicas que, em nome da conservação dos valores tradicionais, mantiveram Portugal numa situação de extrema penúria, em comparação com os seus pares europeus. Certo é que muito mais de negativo haveria por dizer, mas fico-me por aqui. É seguro que, se João Duque soubesse disto, não teria feito aquela declaração.
Mas será que não sabia? Será que a ingenuidade e desconhecimento de João Duque são tão profundos? Claro que não. Muito embora discorde das suas posições, não o tomo nem por ignorante, nem por imponderado. De facto, ele não disse aquilo involuntariamente, ele pensa-o! Simplesmente, como não tem o traquejo retórico de um verdadeiro político, não faz uma avaliação correcta do impacto das suas declarações. Aliás, todo este caso se resume a isso: um tecnocrata com défice de eficiência comunicativa. Mas o cerne do problema está longe se ser o caso em si. Lamentavelmente, este devaneio particular enquadra-se numa vaga de muitos outros, igualmente graves e reprováveis, que num ápice nos inundaram as televisões e a mente. Hoje, olhar a caixinha mágica é escutar os comentadores televisivos mais uma das frentes impregnada de intelectuais a soldo do alto do púlpito da pretensa independência – dizendo que as greves são um luxo dos privilegiados e ociosos; que os mercados financeiros, sustentados na lei do mercado, têm o direito de especular e cobrar juros agiotas; que as manifestações e os debates de ideias devem ser desencorajados, porque dão uma má imagem aos mercados e que, num país com um dos salários mínimos mais baixos da Europa, os trabalhadores vivem acima das suas possibilidades. Para além disto, de quando em vez, vem um senhor com um ar muito sério, muito sóbrio, muito bem intencionado, que nada tem que ver com política – o ilustre senhor só se preocupa com os superiores interesses da nação – falar-nos num tom muito monocórdico, pois que a ciência económica não se presta a espectáculos políticos. O tempo, todos o sabemos, e disso somos relembrados pelo inexcedível professor, é o de reequilibrar as finanças públicas e terminar com os tumultos, excessos e vícios da I República… Perdão, Perdão! Do pós-25 de Abril.
Fim da lição.
Em jeito de conclusão, fica o seguinte apontamento: se não travarmos o rumo destas atitudes e políticas, a próxima “lição”de João Duque aos portugueses terá por título: As virtudes da “nova” constituição de 1933. Está nas mãos de todos nós impedir que tal aconteça!

.Não há luzes, mas temos criatividade!!

.«Crise, crise, crise...», em todas as esquinas se houve tal palavra.

Este post, tem como objectivo demonstrar como nas coisas más, se podem encontrar aspectos positivos, que é o caso da decoração natalícia de Lisboa.
Por motivos financeiros, a Câmara de Lisboa optou por ser criativa e convidou arquitectos e designers para decorarem a nossa querida capital, enchendo-a de cores, alegria e inspiração criativa! ( :
Apesar de pessoalmente adorar as "luzinhas" de Natal, bato palmas a esta grande ideia, porque acho que para além de se tratar de uma ideia inovadora, é ainda uma maneira de dar a conhecer um bocadinho das nossas potencialidades nas áreas da arquitectura e design, ao cidadão comum.

Alguma vez, tinhas pensado nas possibilidades que os objectos banais da tua casa, podem proporcionar-te? !!
Não? Então mexe-te e mãos à obra!!

Um Bom Natal com Criatividade!!





sábado, 3 de dezembro de 2011

.Seguir os sonhos, eis a questão!

.O post de hoje tem como fim fazer ver aos leitores deste blog, que o melhor é sempre seguir os nossos sonhos. Os dois exemplos que se seguem demonstram isso mesmo.
Se estas pessoas tivessem ficado pelo mundo da música, não tinha sido melhor?!!

Fica a questão... ...


Manuela Moura Guedes: seguir o sonho >> desistir do sonho

João Loureiro: seguir o sonho >> desistir do sonho

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

.É HOJE!!

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

.Beijos Impossíveis













.A Benetton aposta novamente numa campanha publicitária que pertende abalar a sociedade.
Unhate, tem «(...) o objectivo de fazer uma chamada de atenção global para temas como a proximidade entre os povos, crenças, culturas ou a compreensão pacífica das razões dos outros. O tema central da campanha é o beijo, símbolo universal do amor, protagonizado entre líderes políticos e religiosos.».

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

.Olá Inverno! Sê bem-vindo!! ( :

. ... Ou não?!!

sábado, 15 de outubro de 2011

.Manuel Lopes Fonseca



.«Que venham todos os pobres da Terra
os ofendidos e humilhados
os torturados
os loucos:
meu abraço é cada vez mais largo
envolve-os a todos!

Ó minha vontade, ó meu desejo
— os pobres e os humilhados
todos
se quedaram de espanto!…

(A luz do Sol beija e fecunda
mas os místicos andaram pelos séculos
construindo noites

geladas solidões.)»



Se Manuel da Fonseca (esse poeta com asas, esse grande escritor) estivesse vivo, hoje fazia 100 anos.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

.Steve Jobs | 1955-2011



.Pode ter ido, mas seu legado viverá para sempre!!
306 inovações em 35 anos
.

sábado, 1 de outubro de 2011

.'Um Poema por Semana'

.Porque hoje recordei uma boa ideia (da Paula Moura Pinheiro, patrocinada pela RTP2) e decidi partilha-la neste pequeno espaço virtual de correntes de ar!! ( :

75 dias e 75 pessoas diferentes, ditaram 15 poemas.

(podem vê-los e ouvi-los todos
aqui)











quarta-feira, 28 de setembro de 2011

.Este ano, é ano de EXD!



.«A Expermenta Design (EXD), bienal de Lisboa, tem no mês de Setembro a sua nova edição subordinada ao tema Useless. De 28 de Setembro a 27 de Novembro, exposições, intervenções urbanas, conferências, debates ou cinema, em diversos locais da cidade, questionam a ideia d uso e do sem uso, do útil e do inútil, facultando novas percepções sobre o que produzimos e o que consumimo, porque o que fazemos e como.»

site
>>

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

.P3

.Hoje nasceu este projecto P3 PARABÉNS!
Explorem! Fica o convite... ( :

Tratamos tudo por tu from Público P3 on Vimeo.

«O P3 nasceu para todos os jovens (e não só) que se encontram afastados dos órgãos de informação por não se reverem nos temas tratados. É um site de informação generalista produzido por uma equipa que concilia a experiência jornalística do PÚBLICO com a ousadia dos estudantes da Licenciatura e do Mestrado em Ciências de Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. A nossa preocupação é que este site seja feito por jovens e para jovens.»

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

.Júlio Resende



.«Que imagem gostava de deixar de si? Eu já ficava muito contente se dissessem: "O fulano foi um teimoso, pintou até ao fim." Que dissessem que sou uma pessoa que acreditava nos outros, porque acredito. E por isso é que criei aqui este Lugar do Desenho. Para que as pessoas se possam inquietar um pouco com o dia-a-dia, falar uns com os outros, pôr as questões, sem se esquecerem que isso é uma questão de responsabilidade. Essa foi a ideia que quis deixar.»

domingo, 11 de setembro de 2011

.Há 38 anos foi assim...


.Salvador Allende, Presidente da República do Chile

.Já passaram 10 anos dos atentados nos Estado Unidos da América, hoje a telivisão será invadida por imensas reportagens e imagens.
E eu pergunto, e o que aconteceu há 38 anos atrás? Alguém se lembra?

Há 38 anos, morria Salvador Allende, no Palácio de La Moneda, Santiago do Chile, cercado e bombardeado pelas tropas rebeldes de Pinochet, que eram apoiadas pelo Nixon (presidente dos Estados Unidos da América). Para não variar a história repete-se sempre, e lá estão os Estados Unidos da América a lutar, desta vez, contra a "via chilena para ao socialismo", apoiando um dos grandes ditadores do séc.XX.

Em suma, actos como este não podem ser simplesmente esquecidos, tal como homens como este não lhes podem silenciar o nome!

Salvador Allende, visceralmente democrata e irredutívelmente anti-totalitarista, é uma cara lavada do socialismo.
Amigos!: falemos, hoje pelo menos, de Salvador Allende!
Ele existiu e ajudemos a sabê-lo, porque é a prova de que a justiça social não é impossível!

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Nostalgia da década de 90: Bill Clinton e Monica Lewinsky


Há pouco, li um artigo que mudou a minha vida, em parte porque durante os 30 minutos em que redijo este texto, podia estar a fruir da minha juventude, no clube de chinquilho da minha freguesia. No artigo podia-se ler que “segundo um estudo norte-americano, o músculo mais forte do corpo humano é a língua”; e, por difícil que seja de acreditar, assim que li estas linhas, dei por mim a iniciar-me na nobre arte da formulação de teorias de conspiração. Em oposição à opinião generalizada da população, este não é um passatempo de todo inusitado, visto que, um pouco por todo o mundo, são organizados congressos de crentes nas mais burlescas teorias, desde a de sermos governados por uma raça de lagartos transfigurados, até à de sermos descendentes de organismos intergaláticos. Porém, como me tomo por uma pessoa modesta e despretensiosa, decidi encetar a minha lide de conspirador com um devaneio mais simples, algo que possa conter, embora em doses vestigiais, o mínimo de plausibilidade, um conceito nada caro aos teórico-conspiradores mais ortodoxos. Corajosamente, desvendar-vos-ei a verdade por detrás de um dos escândalos sexuais mais célebres da História: o de Bill Clinton com Monica Lewinsky. Este caso teve enormes repercussões a nível político e social, mas também, e sobretudo, a nível semântico, sendo redefinidas as fronteiras de pecado original, ao excluir-se o sexo oral do conceito de relacionamento sexual, e da palavra Lewinsky, até então um mero nome próprio, e que com este escândalo logrou assinalar o seu nome nos anais da sinonímia, especialmente aquela que envolve flectir os membros inferiores. Preciosismos de análise aparte, centremo-nos na narrativa dos acontecimentos, de inegável fidedignidade histórica, que vos vou reportar. O caso passou-se assim: Certo dia, pouco tempo antes da chegada do Presidente, Mónica Lewinsky navegava pela internet. Trabalhadora empenhada e incansável, esforçava-se sempre por evidenciar aos seus superiores o quanto era uma mulher sofisticada e ávida de novos conhecimentos. Com esse objectivo, lançava-se em longas horas de pesquisa cibernáutica, em busca de algo relevante, ou simplesmente curioso, que pudesse comentar com dissimulada espontaneidade, quando uma chefia se encontrava perto dela. Não nos esqueçamos que, na época, a internet não era uma figura omnipresente na nossa vida quotidiana e, consequentemente, quem citava os mais recentes e extravagantes estudos científicos passava por um fiel leitor de publicações da especialidade. Nessa esperança, no momento em que o Presidente passa junto dela, Monica comenta jovialmente: Senhor Presidente, sabia que a língua é o músculo mais forte do corpo humano?
Desculpe, Monica, não percebi o que disse declara Clinton, espantado com a interpelação.
Perguntei-lhe se o senhor Presidente sabia que a língua é o músculo mais forte do corpo humano confirma a secretária.
Clinton faz um compasso de espera e questiona-a trocista e desafiadoramente:
Tem a certeza, Mónica? Asseguro-lhe que o meu corpo possui um órgão mais forte do que a minha língua.
Não creio, senhor Presidente. A fazer fé neste estudo, o que afirma é impossível.
Esse deve ser um daqueles estudos europeus sem qualquer fundamento. Mas se insiste, tenho de a convidar a seguir-me até à sala oval, para pôr fim a este impasse no conhecimento científico sugeriu Clinton, com maliciosa solenidade.
De resto, não haverá nada de novo que vos possa contar. Resumidamente, Clinton foi flagrado numa disputa anatómica com a sua secretária, uma espécie de braço de ferro sem braços, onde Monica porfiava por fazer ver ao Presidente que a sua língua era mais forte do que o outro membro a concurso. Depois vieram os tablóides, os vexames, os pedidos de desculpa públicos e uma mancha inapagável na carreira política de Bill Clinton. Só hoje, na posse destas novas informações, podemos compreender o quão precipitados e errados foram os nossos juízos. Um acto que atribuímos à libido insaciável do Presidente e à infame permissividade moral da sua secretária não passou, na verdade, de uma tentativa conjunta de desfazerem um equívoco científico, dando um inestimável contributo para a humanidade… Que ingratos que fomos!
P.S. Os leitores mais atentos devem já ter reparado que alguns dos acontecimentos narrados não condizem com a veracidade dos factos verdadeiramente ocorridos. Por exemplo, não há memória de que os envolvidos alguma vez tenham sido apanhados em flagrante. Ainda assim, rogo-vos que me perdoem, em primeiro lugar, porque se trata de uma teoria da conspiração e, por definição, a história deve gozar de uma verosimilhança apenas aparente; em segundo lugar, porque, ao escrever um texto deste teor, arrisco-me a descredibilizar outras publicações ditas mais sérias, que venho escrevendo… Mas, enfim, também destas ideias tresloucadas, escritas pela madrugada dentro, se faz o mundo.
A todos uma óptima noite, vou descansar.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Aquele querido mês de Agosto

Agosto é um dos meses emblemáticos da história da União Soviética e dos ditos países de influência soviética. Os anos de 1968 e 1991 são exemplos históricos elucidativos da tremenda crise ideológica, económica, partidária, política, militar e, com efeito, social que entranhava o socialismo real. O que fez o sistema comunista cair? Vários mecanismos inerentes ao próprio sistema comunista!


Um desses mecanismo, que é pouco frisado, como responsável na queda do regime comunista é o Centralismo Democrático e o papel dominante do partido à frente do Estado. Efectivamente, o Centralismo Democrático é uma forma de organização vital para uma "tomada de poder", pois permite aglutinar um conjunto de indivíduos organizados, disciplinados, coeso e com grande sentido de classe com vista a concretização de projecto socialista/comunista. Nesta forma organizativa a discussão, a reunião e o debate são uma constante quotidiana. Todavia, se na "tomada de poder" o Centralismo Democrático é consequente e incisivo, a frente de um Estado tal teoria tem um potencial melindroso. A história do comunismo contemporâneo atesta tal facto, pois depois da "tomada de poder" os vários partidos comunistas foram diminuindo a capacidade de diálogo interno, a democracia partidária enfraqueceu, aumentou o fosso entre as populações locais e os dirigentes do partido, a burocracia estatal-partidária aumentou, o charme do ideal desapareceu e perante a discórdia a repressão/invasão era o caminho. O partido e seus dirigentes continua intitular-se como a vanguarda da classe operário e dos trabalhadores, no entanto os trabalhadores, inclusive a classe operária, deixavam gradualmente de se rever no partido. Sem embargo, a análise teórica da realidade cessou, o marxismo que é, acima de tudo, uma ideologia contra estaticismos ficou estático naqueles anos. Em 1919 um importante marxista alemão, Karl Kautsky, vaticinava tal facto (A Ditadura do Proletariado):
«A luta de classes proletária, enquanto luta de massas, pressupõe democracia... As massas não podem ser organizadas secretamente, e acima de tudo, uma organização secreta não pode ser democrático. Conduz sempre à ditadura de um único homem ou de um pequeno grupo de líderes. Os membros vulgares só podem tornar-se instrumentos para executar ordens. Um método destes talvez seja considerado necessário para uma classe oprimida na ausência de democracia, mas não iria promover a auto-governação e independência das massas. Em vez disso, aumentaria a consciência messiânica dos líderes e os seus hábitos ditatoriais».


Por fim, um dos próprios méritos do regime comunista foi também um dos seus coveiros: a educação. Os regimes comunistas empenharam-se, - de forma triunfante é preciso dizer -, na alfabetização das suas populações. Desse modo o analfabetismo acaba por adelgaçar drasticamente. Com efeito, o número de indivíduos com um curso superior aumenta bruscamente, ou seja, o regime comunista é responsável pela produção de uma ampla massa intelectual, permitindo uma tremenda mobilidade social. Parafraseando o crítico soviético Alexander Zinoviev, «a revolução acabou por produzir alterações. Vejamos a minha família, que eram camponeses. Como resultado da colectivização da agricultura, os meus pais perderam tudo o que tinham. Mas o meu irmão viria a ser gerente de uma fábrica; o segundo mais velho chegou a Coronel; três dos meus outros irmãos formaram-se como engenheiros; e eu tornei-me professor na Universidade de Moscovo. Ao mesmo tempo, milhões de camponeses russos receberam uma educação formal». É dessa nova massa intelectual que emergem os críticos, e futuros reformadores , do sistema comunista (tal como Zinoviev).


Hoje em dia está mais que confirmado que não foi a crise que originou uma profunda reforma no sistema, mas sim o contrário, a reforma do sistema desencadeou a crise final do regime. Portanto, muitas ilações o movimento marxista deve tirar dos Agostos de 1968 e 1991.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Londres: O Cenário de uma Novela Psico-Nacional


É uma tarde, quase noite, igual a tantas outras. Ao passarmos pelo móvel, carregamos, despreocupadamente, no botão do televisor e ligamo-nos ao mundo com a mesma leviandade com que se traga uma azeitona. Neste momento, já nem nos recordamos do gesto, pois o nosso mais novo começou a esbracejar, redondo no chão, a emitir um sonoro silvo, digno de ombrear com a mais potente das sirenes fabris, da era da revolução industrial. Fá-lo, não porque tenha nostalgia alguma dessa época – aliás, nem tão pouco sabe o que foi, uma vez que os seus três anos de idade ainda só o versaram em papas infantis e desenhos animados – mas porque sabe que, para nos arrancar do nosso frenesim quotidiano, agora traduzido na limpeza do louceiro da sala, na família há já quatro gerações, é necessário algo de genuinamente irritante, só ao alcance dos nossos mais novos concidadãos. Infantil ou não, o certo é que resultou e viramo-nos já na sua direcção. Porém, durante este movimento, lançamos um olhar de soslaio à televisão: “Na última noite, Inglaterra registou vários focos de revolta. Milhares de jovens amotinados destruíram e saquearam viaturas e estabelecimentos, em várias cidades da ilha britânica” – anunciava. O nosso filho, ao qual há um instante acorríamos apressadamente, foi relegado para segundo plano. Ele continua a articular algumas palavras, que não conseguimos compreender. Na verdade, já nem o escutamos. Impelidos por um sentimento indefinido, remexemos nervosamente a gaveta onde está o telecomando e retiramo-lo atabalhoadamente. Já na sua posse, certificamo-nos de que nos encontramos num dos quatro canais generalistas. – Talvez não… − pensamos, esperançados. Provavelmente, quando menos esperarmos, todo este aparato será interrompido por uma equipa de investigação criminal, com agentes de corpos esculturais; ou por uma equipa de emergência médica, composta por profissionais cuja vida amorosa apenas rivalizaria com a dos intervenientes dos romances de cordel vendidos em fascículos, os mesmos que durante anos fizeram as delícias das donas de casa portuguesas. Contudo, estas personagens demoram a irromper no ecrã e a estranheza não tarda a dar lugar á apreensão: ao carregar no telecomando, tomamos consciência de que não estamos sintonizados num canal temático. De seguida, olhamos o relógio. Marcas as vinte horas e dois minutos: não restam dúvidas, estamos a assistir ao Jornal da Noite. A par desta revelação desedificante, o nosso filho continua a dizer qualquer coisa, à qual nós respondemos com maquinal assentimento, oscilando afirmativamente a cabeça. O aparente desinteresse com a nossa prole é justificada, dado que estes acontecimentos não são de somenos importância. A frugal Inglaterra está a ferro e fogo! Bem, será que são, de facto, em Inglaterra? É isso! Lemos mal, só pode ser isso. Se voltarmos a ler o rodapé, decerto encontraremos “Paquistão” ou “Irão”, onde julgámos ler Inglaterra. Não queremos com isto dizer que não são pessoas como nós, mas, sabem como é, a cultura é diferente: as barbas fartas, os fanatismos religiosos, a inveterada tendência para fazerem atentados e a devoção por desfiles de massas em ruidosa ovação a mártires suicidas são elementos que não inspiram simpatia na nossa humanidade moderada, do emprego das nove às cinco, do conjugue e dos filhos sorridentes, das idas semanais ao centro comercial e da família reunida em torno da mesa, numa data festiva cujo verdadeiro significado desconhecemos. Nós até os respeitamos, mas eles não querem tomar parte do nosso idílio ocidental e recusam a evangelização civilizacional, que com tanto esforço empreendemos sob a forma de guerras solidárias nos seus países. Em suma, são uns ingratos! Não nos interpretem mal, não somos racistas – em parte, porque a sociedade não o aceita – todavia não nos peçam que olhemos com compaixão as notícias de mortes às centenas, registadas quase quotidianamente por esses lados e que sorrateiramente assomam às nossas casas, no maçador meio do telejornal. Se não julgássemos ter lido Inglaterra, ao invés de um qualquer país terminado com uma vogal nasal, a única emoção de consternação, que nos percorreria, seria relativa aos copiosos flocos de pó, polvilhados sobre o louceiro da sala, aos quais o nosso mais novo é alérgico, coitadinho. Ainda assim, pelo sim pelo não, mais vale desfazer de vez o equívoco e fitarmos de novo o televisor. Depois, apenas o choque. Uma injecção de adrenalina invade-nos o organismo e um frio gélido petrifica-nos os músculos. Ao longe, o nosso mais novo, o Sebastião, não sei se já tinha referido o nome, chama-nos incansavelmente. – Cala-te – vociferamos, sem réstia de doçura na voz, enquanto, no televisor, a imperial Inglaterra é palco de uma insurreição urbana sem precedentes. Volvidos alguns segundos, voltamos a nós e sentamo-nos no sofá a escutar atentamente o que se passa. Os nossos ouvidos agarram a informação sofregamente: “lojas pilhadas, casas assaltadas, carros a arder, barricadas nas ruas…”. As notícias chegam-nos como fragmentos, que a nossa mente não consegue cerzir, para lhes dar um fio lógico. Entretanto, somos de novo assaltados por um dilema bem Hollywoodesco: quem é que são os bons e os maus? Se há algo de pedagógico em Hollywood, é o terem-nos ensinado a tomar partido: de um lado estão os benfeitores, pelos quais torcemos, e do outro os malfeitores, sempre justamente punidos, no final do episódio. Mas Hollywood é uma indústria generosa, conduzindo-nos docemente ao lado dos justos. Agora, pelo contrário, vinga a indefinição. Se, por um lado, uns sustentam estas acções nas duras condições de vida, em que eram mantidos, outros, por seu turno, advogam tratar-se de violência gratuita, despojada de qualquer raiz na austeridade. Ai! Como detestamos a indefinição…E nós para aqui, no sofá, a agonizar neste leito de hermafroditismo social… Que paciência! Mas eis senão que chega, em sebastiânica aparição, o comentador televisivo. – Alvíssaras! – exclamamos em transe. O Sebastião observa-nos, atónito. Mas a reacção não é inoportuna: chegou a nossa mais estimada figura da informação portuguesa. Ele está pronto a mastigar-nos a matéria noticiosa – e a defecá-la até, se acharmos necessário – de forma a que não nos importunemos a processá-la; como é sublime o colorido, que os seus comentários categóricos emprestam à imprensa! Dúvidas, interrogações? Tudo é dissolvido num mar de imperturbáveis certezas. Atenção, acabou de surgir o veredicto: em Inglaterra, a violência é puramente gratuita. Terminada a leitura da sentença, recostamo-nos no sofá, com olhar prazenteiro. – Como é agradável escutar estes senhores – suspiramos. Desde que tínhamos começado a acompanhar os canais de notícias 24h, onde pontifica um comentador a cada dez minutos, já não necessitávamos de tomar os sais de fruto e mesmo o nosso mais velho, o Martim, à época atormentado por cólicas, pôde deixar de tomar as gotas, tamanho era o efeito terapêutico destes novos senhores da ladeira. Agora, retomemos ao nosso calvário interior, pois aqui estamos nós, enfim mergulhados na convicção de que aqueles gaiatos de Inglaterra não passavam de indigentes e milionários sádicos, em busca de ocupação. Ao sabê-lo, a nossa mente cristã, com baptizado, crisma e demais cerimónias da antologia festiva da religiosidade, começa a congeminar coisas das quais não nos orgulhamos, nem ousamos confessar aos nossos amigos, ainda que o nosso juízo seja bem claro: “Porrada neles!”. A polícia não é suficiente, chame-se o exército; os sublevados comunicam pelas redes sociais, sejam suspensas; os jovens têm demasiada liberdade, sejam-lhes controlados os passos; bandos organizados de cidadãos organizam-se em milícias populares, a fim de proteger os seus pertences? Que sejam armados, para restabelecer a ordem. O quê? Na sua maioria, esses indivíduos integram grupos de extrema-direita? Não nos recordamos de termos ouvido isso na televisão, é decerto especulação e é preciso conter esta onda de violência a todo o custo, pelo que os fins justificam os meios. Ainda na sala, depois de enunciarmos em surdina este punhado de soluções por atacado, levantamo-nos e dirigimo-nos, de novo, ao louceiro. Ao chegarmos junto dele, percorremo-lo com o olhar: séculos e séculos de porcelanas e cristais ordenados por cronologia e estilo. Durante o périplo pelas peças em exposição, o nosso olhar esbarra num reflexo e vemos o nosso rosto espelhado num açucareiro do século XIX. Gradualmente, o reflexo torna-se também interior, o nosso olhar torna-se vago e pomo-nos a reflectir: somos democratas, disso estamos certos. Não porque alguma vez tenhamos reflectido muito acerca disso. Na verdade, sempre nos conhecemos assim: estrutura mediana, cabelo liso, olhos castanhos… e democratas. Nunca sequer equacionámos aprofundar o conhecimento deste conceito. Que alternativas nos restavam? Mesmo nas festas da alta sociedade, nas quais, enquanto aguardamos pelo acepipe seguinte, cochichamos, sibilantemente, a estima pelos “tempos idos” já não é manifestada de forma explícita. Certa vez, recordamo-nos até de ter ouvido a seguinte admoestação, dada a um folião desconhecedor das novas terminologias do croquete: “Não diga isso, meu caro. Essa posição pode granjear-lhe muitas inimizades. Opte antes por liberal; ser liberal é fashion, ser fascista está démodé”. Memórias aparte, continuamos a afirmar: somos democratas. Quer dizer… Bem sabemos que não somos “democratas praticantes”. Mas, pelo menos, marcámos presença num ou outro sufrágio – aos do aborto, por exemplo, nunca faltámos, se bem que, em parte, por recomendação do prelado da nossa paróquia. Na nossa perspectiva, isto da democracia é como uma inscrição no ginásio: a início, estamos empolgados com a prática de exercício físico, em virtude do que somos presença assídua; mas, passadas algumas semanas, o afinco esmorece e, apesar de continuarmos a pagar a mensalidade, nunca mais lá voltamos, ou como se diz em democratês: engrossamos a taxa de abstenção. Ainda assim, mesmo após expormos os nossos vícios, professamos a nossa democraticidade. Estamos tão crédulos disto como o Sebastião está de a mãe ter enlouquecido a olhar para uma peça de mobiliário. No final deste exorcismo espiritual, temos de o levar de imediato ao psicólogo, ou nunca recuperará deste trauma. Findo este pensamento, o nosso olhar descai para uma manteigueira do século XVIII e damos, de novo, de caras com o maldito reflexo, uma espécie de agente cerâmico da ponderação. Olhemos para nós, façamo-lo atentamente. Na televisão, o primeiro-ministro britânico, James Cameron, aventou a hipótese de suspender as redes sociais, em tempos de crispação social, e nós não só anuímos, como achámos a ideia brilhante. Agora que reparamos, esta acção é uma enorme afronta para a liberdade expressão. Fez-se luz! E o multiculturalismo, fomos dele alguma vez partidários? Estamos agora conscientes de que não. – Querem vir para Europa, aculturem-se, rendam-se à sociedade superior. Não se adaptam, sejam arredados para os subúrbios, olhos que não vêem, coração que não sente. Quanto aos meninos de tenra idade, alguns vindos de famílias abastadas, o que é que temos a dizer? A princípio considerámo-los meramente mal-educados, não passavam de meninos ricos e ociosos, a libertar a sua rebeldia e, com efeito, o Estado nada tinha que ver com isso. Mas, mais uma vez, aquele reflexo fez-nos pensar de forma diferente. Só uma crise de valores profundamente instalada poderia dar tais frutos e nessa matéria o Estado tem responsabilidades, designadamente ao nível da educação. Ainda com o mesmo olhar vago, inteiramo-nos dos nossos juízos precipitados. O invólucro do medo distorceu-nos o discernimento e estimulou o que de mais promíscuo e decadente em nós existe. Passada esta conclusão, o nosso olhar continua a percorrer incessantemente as peças do louceiro. Neles, os reflexos sucedem-se, mas não nos reconhecemos em nenhum: temos a face coberta pela vergonha, pelo vexame de termos sido tão facilmente manipulados. Por fim, surge no nosso semblante um sorriso amarelo, acompanhado por um ligeiro contentamento: tirámos esta ilação sem recorrer a nenhum comentador televisivo. Pelo menos, somos originais!
No tapete, o Sebastião está entretido com os seus brinquedos. – Totó – grita, animadamente, empregando um adjectivo muito caro à pequenada, mas também a alguns adultos, que, por conservarem o espírito, o aplicam de modo magistral; e nós coramos, não porque o atributo nos seja dirigido: o totó é, provavelmente, um dos guerreiros de plástico do nosso menino, mas porque sabemos que somos o seu mais merecido destinatário.

sábado, 16 de julho de 2011

O Papel da Esquerda na Era da Cidadania e dos Movimentos Sociais


A actual situação de crise induz na sociedade uma sede de soluções sem precedentes. Pessoas antes cúmplices, ou simplesmente resignadas, com o quadro político nacional, acham-se presentemente inconformadas e crédulas de que é imperativo mudarem a realidade, onde se inserem. Nesta época, por seu lado, os meios de comunicação, sempre atentos aos estados de espírito do seu público, apressam-se a apresentar uma miríade de conceitos pretensamente revolucionários e inovadores, que, após devidamente untados com o óleo da modernidade bafienta, são-nos oferecidos quais pedras filosofais, capazes de tudo resolver. Da convergência destas duas variáveis, uma opinião pública receptiva a novas ideias e uma comunicação social devotada à alquimia, surge a cidadania; e já que este vocábulo ter-se-á instalado no léxico português por tempo indeterminado – que isso da precariedade é lá um problema do mundo laboral, ao qual a linguística ainda parece estar imune – convém dissecá-lo e resgatar da indefinição este termo, que, por tão exposto e enunciado, nos leva a crer na sua real compreensão.
Em matéria de política, sempre que se alude à palavra cidadania, o resultado é inexorável: o debate personifica-se. Espaços outrora reservados ao confronto de ideias e ao esgrimir de argumentos são tomados de assalto por meandros biográficos dos candidatos, argutamente manejados, a fim de criar empatia com os eleitores. O caminho aos idiólatras está aberto! Então, acotovelam-se as personalidades sem sombra de ideário próprio e até aí demarcadas do exercício político. Fascina-lhes somente a projecção pessoal, ficam sideradas com o vislumbre de serem objecto de um culto nacional, em que elas, e não as ideias que corporizam, são adoradas como se de deuses se tratassem. Toda a sua argumentação é sustentada no seu percurso pessoal, o qual, por mais meritório, em nada esclarece o eleitorado acerca das convicções políticas do candidato a sufragar. Esta constatação reporta-nos para uma outra característica da cidadania, frequentemente obscurecida sob o manto da infinita bondade, mas que se manifesta em cada acção dos seguidores desta corrente: o seu amor incondicional à tecnocracia.
Não é raro escutarmos os apelos destas personalidades à unidade nacional ou ao consenso patriótico. Em suma, um governo da nação seleccionado à imagem de um conselho científico, tendo a idoneidade académica e o reconhecimento profissional como únicos e objectivos critérios de ingresso. Tudo seria ideal nesta perspectiva, se a sua análise não versasse sobre política. Por conseguinte, as figuras integrantes deste governo professariam ideias e visões divergentes, o que tornaria impossível a elaboração de um programa de governo. Esta via não só não é parte da solução, como acentua o problema: as más políticas dos anteriores executivos dariam lugar á ingovernabilidade. Claro está que este facto não configura um obstáculo na óptica da escola tecnocrática. Na verdade, a sua concepção de decisão política enquanto proposição objectiva e susceptível de avaliação científica desafia as bases do estado democrático. A democracia caracteriza-se pelo debate plural de ideias, pelas formas múltiplas de abordar uma mesma problemática e pela possibilidade de, em função do seu património teórico, os decisores políticos atingirem os objectivos por meios distintos. Tudo isto é desmerecido pela tecnocracia. A seu ver, o exercício político tem um valor unívoco, que não permite diferentes análises, sob pena de se comprometer a validade formal e académica da decisão tomada. Necessariamente, a cada conjuntura corresponde uma só medida, gerada na isenção do rigor científico, a qual só um louco teria a ousadia de contestar. Como é de prever, esta tese é totalmente falaciosa. A direita, porém, tem escudado todo o seu radicalismo ideológico sob a insuspeita capa do fatalismo científico. Perguntemo-nos: era imperativo, como o governo e o FMI advogam, que fossem os contribuintes a pagar os desvarios do jogo financeiro? Curiosamente, não. Estas medidas são produto do mais primário pensamento de direita, nem objectivo nem científico, mas sectário e radical. Porém, estes e outros conceitos são cada vez mais eficientemente vertidos na opinião pública e, com a população imbuída destas teses, surgem manifestações, em que os objectos do protesto são as instituições democráticas, ao invés dos políticos, cuja linha programática está na génese da convulsão social. O equívoco está instalado e cumprem-se os desígnios da tecnocracia. As medidas draconianas tomadas pelos executivos são acatadas com resignação cristã. Contestá-las equivale a ter a ousadia de questionar o direito da água entrar em ebulição aos 100ºC. Concluindo, a acção política, tal como a ciência, é vista como irrefutável e, nessa medida, incontestável, independentemente do impacto negativo na qualidade de vida dos cidadãos. Actualmente, aceita-se esta premissa como se de um dogma se tratasse. E esgotado que está este alvo de descontentamento, a ira gerada num cenário de crise dirige-se directamente às instituições e à classe política, na sua globalidade. Os partidos são olhados como seres intrinsecamente maus, que corrompem os indivíduos que deles fazem parte; o parlamento, um depósito de gente inútil, obtusa e ociosa, incapaz de os representar – a tecnocracia apoderou-se das ruas e tomou o povo por seu instrumento.
A actual movimentação social tem ainda outra característica rasgadamente louvada em todos os meios de comunicação: a espontaneidade. A meu ver, a espontaneidade não encerra em si nada de bom. Aliás, se me é permitida a analogia, remontemos ao séc. XIX e aos primórdios da luta operária. Um proletariado ainda com métodos de luta muito incipientes, frutos do estádio embrionário do capitalismo, onde se enquadrava, destruía os meios de produção, atacando máquinas e incendiando fábricas. Esta prática ficou conhecida por Luddismo e foi, enquanto metodologia de protesto, criticada por Marx, que a considerava totalmente inconsequente. Via-a como a expressão primária de um proletariado sem coordenação ou vanguarda, que exorcizava a sua legítima revolta através de uma acção que não lhe era útil. A análise aos contemporâneos movimentos sociais, como o 12 de Março, não é muito diferente. O descontentamento existe e compele as populações a manifestarem-se. Porém, a espontaneidade, a falta de direcção e a repulsa por qualquer forma de vanguarda votam estes movimentos á inconsequência. As manifestações e acampadas sucedem-se, a moldura humana é colossal e os índices de mobilização atingem valores estonteantes; mas passado o cenário mediático e finda a manifestação, o que resta é nada, tudo se esfuma e o destino das acções espontâneas está consumado.
Este novo fenómeno social desencadeou, mormente, dois sentimentos díspares no seio da esquerda portuguesa. Uma facção da esquerda, cativa em metodologias em alguns casos extemporâneas, mantém-se indiferente ou hostiliza aqueles que invadem o seu feudo, a sua área de influência; uma outra facção da esquerda rejubilou, cuidou que estávamos a presenciar um passo em frente na consciencialização de massas e olhou com uma esperança desmedida estes novos paradigmas. A verdade é que as conclusões devem ser diferentes e sobretudo mais cautelosas.
Pouco antes das últimas eleições legislativas, compareci numa sessão de esclarecimento político. Conversou-se, discutiu-se, elucidou-se, mas houve um problema – a sala estava quase vazia. A primeira tarefa da esquerda deve ser, pois, pôr termo ao paradoxo, traduzido numa mobilização que é avessa à consciencialização. O movimento pelo movimento é um instrumento de alienação como qualquer outro. Compete à esquerda reabilitar a confiança das populações nas instituições democráticas e afastá-las da demagogia da cidadania e dos falsos consensos. Deste modo, movimentos como o “Democracia Verdadeira, Já!”, vulgo acampada no Rossio, devem-nos inspirar alguma desconfiança. Se é certo que o programa deste movimento revela reivindicações de esquerda, designadamente o protesto contra a presença da troika, por outro lado, o título que lhe serve de mote, “Democracia Verdadeira, Já!”, instala a confusão quanto ao teor do protesto. Quem lê o título, pensa que se trata de um protesto contra o actual modelo de democracia e tal o comprova o facto de muitas das pessoas, que lá se encontravam ostentarem cartazes anti-sistema e anti-partidos. Estar ao lado deste discurso não traz dividendos à esquerda, pelo contrário, favorece o protesto inconsequente e a alienação. Em alternativa, a instauração da confiança nas instituições democráticas deverá ser conseguida através de uma projecção eficaz do trabalho realizado pelos representantes da esquerda em cargos políticos, no plano nacional ou autárquico, demonstrando que é possível os políticos respeitarem e servirem as populações. Em segundo lugar, é imperioso que a esquerda se afaste do estigma do “partido de protesto”, ao qual quer a comunicação social, quer os partidos do arco do poder, sucessivamente a vêm colando. Um partido de protesto resumir-se-ia a protestar, sem ter propostas alternativas credíveis e exequíveis. Sabemos que tal não é verdade e, por isso, devemos tentar, ainda que seja escasso o tempo de comunicação disponível, substituir as palavras de ordem por medidas alternativas, que possuímos e sabemos serem a verdadeira resposta às súplicas da população. Por último, a esquerda não deve temer a criação de clivagens na sociedade. Em certa medida, se somos de esquerda, é precisamente por acreditarmos que a força motriz da história reside na oposição de classes com interesses distintos. De facto, o actual estado de imposta harmonia social, com ecos da lógica corporativista, tenta conciliar o inconciliável e tenta criar uma unidade forjada, sem qualquer razão de ser: os interesses do trabalho e do capital nunca podem ser simultaneamente os mesmos. Apelar à resistência às medidas de austeridade não é insensato, mas racional e responsável. O que é escandalosamente incoerente é procurar unir especuladores financeiros e vítimas dessa especulação, ou formuladores das políticas de austeridade e vítimas dessas políticas.
Em suma, uma esquerda aberta aos novos desafios, uma esquerda que não subvaloriza o carácter dialéctico da História, não deve ignorar os novos estímulos provenientes da sociedade, agora contidos numa nova estética; contudo, não deve encará-los como um produto acabado e demitir-se da sua função de vanguarda, sem a qual todas estas novas acções não terão qualquer reflexo prático.

sábado, 11 de junho de 2011

Das festas da cidade de Lisboa

A cultura popular do Salazarismo estava entranhado num pressuposto ideológico: a dicotomia entre a suposta existência de um «bom povo» e um «mau povo» português. O «bom povo» estava associado ao tradicionalismo católico e ligado às práticas culturais e comportamentais defendidas pelo regime, como era o caso das Marchas Populares de Lisboa ou dos ranchos de folclore. Em contra-mão, estavam todos aqueles que pernoitavam na taberna na companhia do álcool e, particularmente, todos aqueles que estavam, de uma forma ou de outra, ligados às ideias da oposição, sobretudo, do republicanismo e do comunismo. Não obstante, neste leque ainda estavam todos aqueles que consumiam novas ideias culturais oriundas do estrangeiro, principalmente aquelas que tinham uma marca de protesto, como era o caso do Jazz* .
Portanto, a política cultural do regime passa em grande medida pela invenção de um leque de tradições, pois como deslindou Hobsbawm a «tradição inventada, que é um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceites; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado»**.
Neste campo, a «tradição inventada» mais gritado do regime, é o caso das Marchas Populares de Lisboa. Estas são uma prática cultural relativamente recente, estando na origem da actual consciência e identidade bairrista, tão "tradicional" de Lisboa. O seu mentor foi José Leitão de Barros, - um importante intelectual nos meios jornalísticos e cultural de Lisboa, bastante próximo de António Ferro -, que aceitou a ideia do directo do Parque Mayer em realizar um grande, e pioneiro, espectáculo em Lisboa. Decorria o ano de 1932! Por conseguinte, é criado um regulamento para os desfiles e é iniciado a construção de várias marchas representando os distintos bairros de Lisboa. Segundo o regime este comportamento cultural era, nada mais, do que uma tradição com raízes na idade medieval, confirmado desse modo a premissa de Hobsbawam.

Se é verdade que havia vida para além do Estado Novo, como por exemplo os passeios dos neo-realistas no Tejo, não deixa de ser verdade que havia vida no próprio Estado Novo. Isto é, mesmo num regime opressivo, violento e vigilante havia quotidiano e sociabilidade, o próprio leque cultural promovido pelo regime (marchas, ranchos, teatro etc), além da natureza política e ideológica, eram autênticos espaços de sociabilização por parte das populações locais, quer apoiantes do regime ou não. Sabendo que em história não há rupturas absolutas, havendo certas continuidades de um regime para um outro, é pertinente, ou não, afirmar que o grande legado do fascismo português ocorre no campo cultural? Como é o caso das Marchas Populares de Lisboa e a sua cultura bairrista ou mesmo de muitos ranchos
.

Notas:

*Muito interessante a história do Jazz que, — ao contrário de hoje em dia que é encarado com um estilo musical de grande profissionalismo —, na altura era, efectivamente, uma música popular com uma vertente de protesto grande. Expandiu-se depois da I Guerra Mundial acabando por ser proibido e perseguido um pouco por todo o mundo, a começar nos próprios Estados Unidos, passando pelos regimes fascistas como a Alemanha Nazi, até à União Soviética. Confrontar a História Social do Jazz, Eric Hobsbawm.
**Eric Hobsbawm, A Invenção das Tradições, p. 9.

Bibliografia:
HOBSBAWM, Eric (1989). História Social do Jazz. Paz e Terra.
HOBSBAWM, Eric & RANGER, Terence (1984). A invenção das tradições. Paz e Terra.
MELO, Daniel (2001). Salazarismo e Cultura Popular (1933-1958). Viseu: Instituto de Ciências Sociais.

domingo, 5 de junho de 2011

.Dia de ir às Urnas













.Grande parte das conversas dos últimos dias resumem-se a hoje.

Por isso... Não fiquem em casa. Vão votar!

quinta-feira, 2 de junho de 2011

.Festas de Lisboa_2011

.O Santo AntUninho, InêsOink

.Começou ontem oficialmente as Festas de Lisboa!

As sardinhas vão estar cá durante todo o mês de Junho, com imensas actividades a decorrer para todos os gostos.
Vejam a programação aqui >> http://www.festasdelisboa.com/

«Olha à
sardinha assada freguesaaaaaaaaa!!»

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O XVII Congresso do PS ou a doce cicuta

Nos passados dias 8, 9 e 10 de Abril, o país suspendeu o seu estado de agonia. Por breves momentos, em terras do Norte, não sei se pela proximidade ao berço da nação, os mais desprevenidos pensaram decerto ter assistido à fundação de um novo país. Todavia, mais de 800 anos volvidos, o horizonte dos pais fundadores há muito que não é precipitarem-se sobre os mouros e, à lei da espada, impor-lhes a sua fé. Pelo seu lado, os Afonsos Henriques da actualidade preocupam-se em delinear, não a estratégia, que mais facilmente fará capitular os infiéis, mas a táctica pela qual subtilmente seduzirão o telespectador. De facto, só esta inveterada mania portuguesa de apontar críticas a tudo o que o rodeia poderá justificar o frequente desabafo: "a televisão nacional tem uma programação cultural pobre". Mentira! – asseguro-vos eu. Nunca em Portugal se levou à cena um espectáculo tão minuciosamente urdido e tão inteligentemente difundido como o último congresso socialista. Tudo, mas mesmo tudo, desde o gáudio dos intervenientes aos momentos de entusiástica aclamação, desde a toada heróica da música de fundo ao semblante sorridente e ao discurso unificante dos congressistas, tudo convergia para um único objectivo: a reabilitação da imagem do líder. Um exercício estético, uma glamorosa
e sórdida encenação à imagem de José Sócrates. Não nos iludamos: a forma deliberada como projecta a sua imagem foi sempre um atributo político de primeiro-ministro, um fiel discípulo do blairismo, o pseudo-socialismo ofuscado pela realidade, ainda ontem saído da maternidade e já hoje a um passo da morgue, onde a substância dá lugar à forma e o socialismo, ou o que dele restava, é prontamente proscrito pelo sofisticado neo-liberalismo, que se assume como único paradigma futuro. Este "socialismo do séc. XXI", de que Blair foi mentor, e do qual Sócrates é um discípulo, é como um daqueles jovens prodígios, de futuro promissor, mas que não se adaptam às provações da vida adulta. Por exemplo, em Inglaterra, após uma ascensão meteórica, o estado de graça de Blair eclipsou-se subitamente, mergulhando o Labour numa depressão, da qual ainda não conseguiu recuperar; em França, Ségolène Royal, mais introvertida, sem ideias e sem discurso, cedeu a vitória a Sarkozy; em Portugal e em Espanha, últimos baluartes desta versão travestida de socialismo, os seus líderes, em especial o português, persistem neste discurso paliativo, de fim anunciado, uma banda sonora com a insígnia da orquestra de câmara do Titanic. Em abono da verdade, não os podemos censurar. Raros foram os episódios na História em que os protagonistas tiveram suficiente sensatez para abandonarem os seus cargos atempadamente. E José Sócrates, não o estando eu a aclamar como vulto da nossa História – não dispenso elogios tão gratuitamente – comunga deste apego pela cadeira, que, para nosso infortúnio, tarda em cair.

Mas retomemos ao nosso enclave do apaixonado nacionalismo, Matosinhos, onde se acha José Sócrates, que tão estoicamente se tem batido por conter a ofensiva liberal. É que, lembremo-nos, esta personagem, que hoje profere ao país o seu desesperado discurso anti-liberal com a mesma solenidade – e parece que, presunçosamente, com a mesma credibilidade – com que Charles de Gaulle instigou os franceses a combaterem a invasão nazi, num esforço último de resistência patriótica, é a mesma figura que, ao longo do seu mandato, mais contribuiu para o projecto liberalizante, de desmantelamento dos serviços públicos de saúde e educação, agora diabolizado. Recorramos à enumeração: no ministério de Sócrates, fez-se a mais bárbara reestruturação do SNS de que há memória, ao abrigo da qual foram arbitrariamente fechados centros de saúde e maternidades, de cuja proximidade dependiam milhares de pessoas, que pronta e espontaneamente – não, não houve nenhum partido político ou central sindical promotor deste protestos, como uma certa esquerda, sempre demitida do seu legado social, nos gosta de fazer crer – acorreram aos meios de comunicação social, a fim de veicular o seu descontentamento; igualmente sob a batuta do actual primeiro-ministro, insistiu-se na aposta nas PPP (parcerias público-privadas). Este modelo de investimento tem-se demonstrado calamitoso para as contas públicas, uma vez que o Estado lavra um contrato com uma entidade privada – por norma, ligada à banca – onde, além de concessionar o equipamento, compromete-se a pagar durante um período de, em média 30 a 40 anos, uma subvenção, que assegura as taxas de lucro fixadas como condição pelo organismo privado. O pioneiro na utilização deste modelo pernicioso de gestão de equipamentos de saúde foi o Hospital Amadora-Sintra. Inaugurado em Setembro de 1995, experienciou 13 anos de gestão privada, ao longo dos quais, o privilégio dos resultados financeiros, em desprestígio da qualidade dos serviços clínicos prestados, conduziu o próprio José Sócrates a convir que "as parcerias público-privadas são úteis para a construção; a gestão hospitalar, essa, deve permanecer pública". Ainda assim, o governo reincidiu em termos de concessão semelhantes para os futuros hospitais de Loures e Vila Franca, respectivamente adjudicados ao grupo Espírito Santo e ao grupo Mello, nos quais a gestão privada, já reconhecida publicamente como ineficaz e nefasta para os utentes, surge de novo contemplada. A submissão do investimento público ao interesse privado, verdadeira definição das PPP, traduz-se num avultadíssimo investimento do Estado, constituindo já uma dívida de 50 mil milhões de euros. Contudo, como a desventura de uns é a sorte de outros, a presidente da comissão executiva do BES saúde, Isabel Vaz, apressou-se a afiançar que "melhor que o negócio da Saúde só o negócio das armas". Ao ser promotor destas parcerias, o executivo socialista facilita a ingerência dos privados no SNS, aspecto em que o PS, quando apela ao voto útil, assevera ser uma das basilares diferenças entre os socialistas e o PSD. E não tenhamos dúvidas, se mais esquadrinharmos, mais similaridades encontramos. A educação pública universal e tendencialmente gratuita é, cada vez mais, um aforismo consagrado na constituição sem qualquer reflexo real. Com um encargo médio por aluno de 1000€/ano lectivo, o ensino superior democratizado é uma ilusão. Para agudizar mais ainda uma situação já por si desedificante, o actual governo restringiu o acesso às bolsas de estudo, estabelecendo regras que, ao serem implementadas, deixaram de fora milhares de estudantes, impedidos assim de prosseguir os seus estudos.

A ilação a extrair destes exemplos é inequívoca: o PS não constitui uma alternativa de esquerda, como nos quiseram fazer crer no último congresso.

Nesta mega encenação de patriotismo exacerbado e de devoção cega ao seu líder, o PS teve como primeira pretensão o branqueamento dos seus anos de governação e, deste modo, capitalizar votos à esquerda. Coniventes nesta estratégia, sobem ao púlpito algumas das vozes mais dissonantes, como a docemente obstinada Ana Gomes. O alcance destas acções não é desconhecido: ao evidenciar a presença de vozes à esquerda, o PS visa a conquista de uma importante parcela do eleitorado desta área. O logro deste intuito, sabem-no, é crucial na óptica eleitoral. Todavia, volvidos tantos anos de governos do Partido Socialista, é já do domínio comum que estas declarações são completamente inconsequentes, já que o PS, em ganhando as eleições, reger-se-á pela mesma cartilha: traçando o seu ideário liberal e silenciando, quantas vezes por meio do exílio consentido – será preciso recordar o código postal de João Cravinho ou da já referida eurodeputada? – qualquer partidário mais desiludido.

De facto, este lirismo despudorado, que caracterizou todo o congresso socialista, espelha a mais real das suas preocupações, ocultar o inocultável: o saldo da sua governação é a entrega incondicional do país aos desígnios do FMI. Indubitavelmente, quem definirá o próximo programa de governo será a troika – tríade ou triunvirato, para que os mais sensacionalistas não intuam nenhuma posição ideológica pela preferência do idioma usado – composta por FEEF, FMI e MEEF. Os partidos do arco do poder e o seu eterno acólito afirmarão frequentemente, durante a campanha eleitoral, que as medidas em breve anunciadas, posto que necessárias, são renegociáveis após as eleições. No que concerne à possível negociação, tenho as mais profundas reticências. Conforme o disposto no semanário Expresso, de 09/04/2011, "[após as eleições], o novo governo ficará comprometido e a pouca margem de manobra que subsistirá estará condicionada às regras de um dos três instrumentos que financiarão Portugal: o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF), gerido pela comissão europeia. O peso relativo do MEEP no cômputo total do financiamento é de somente 8%, pelo que "a margem de manobra para a renegociação de alguma das condições do programa deverá necessariamente ter em conta este seu reduzido peso relativo". Este pacote financeiro, sucessiva e erradamente apodado de "ajuda", é-o de facto, porém não para Portugal. Como neste âmbito sou algo leigo, reporto este parecer para o director executivo do FEEF, Klaus Regling, para quem "os mercados reagiram muito positivamente ao pedido português", visto que "isola as três economias mais fracas da zona euro e ajuda a evitar um contágio mais generalizado". Em suma, declara-se o sucesso da operação, pois cumpriu as expectativas dos mercados financeiros e da união monetária, preterindo qualquer menção ao impacto político e social na sociedade portuguesa. Abstenho-me de comentar.

Findo que está o nosso voo sobre as águas turvas da retórica do Partido Socialista, permitam-me fazer uma última, ousada e imprevisível analogia entre Sócrates, o primeiro-ministro, e o homónimo grego, o filósofo. Este último, nome incontornável do pensamento ocidental, foi acusado de desviar os jovens atenienses dos princípios morais e religiosos da polis, sendo condenado a beber cicuta, um veneno mortal. Deste tóxico elixir reza a história que possui um sabor adocicado, prazeroso a quem o toma. Sócrates, o filósofo, perante o dilema de abandonar a cidade ou tomar o veneno, bebeu-o, em nome da coerência das suas posições. Posto isto, imaginemos agora que José Sócrates, o primeiro-ministro, foi também acusado por desvio moral – desta feita, bem mais legitimamente, na minha opinião – e lhe foi decretada igual pena. Neste momento, caros leitores, o nosso orgulho patriótico está mais insuflado que nunca: ditoso é o país que se honra de ter um primeiro-ministro a ombrear, pelos factos, o mais insigne dos filósofos da antiguidade. Não quero cessar o vosso júbilo, mas há um ponto que não é coincidente. Como referi, Sócrates, o filósofo, bebeu cicuta pela manutenção da congruência das suas posições. Ora, não há memória de que Sócrates, o primeiro-ministro, alguma vez tenha zelado pela coerência das suas palavras, aliás, a argúcia com que formula o seu discurso em função da circunstância é um dos seus mais estimados artifícios políticos. Nesta medida, Sócrates, o primeiro-ministro, tomou uma opção muito mais altruísta, no seu entender, claro, proclamando a distribuição do veneno por todos os cidadãos. E nós, ternos incautos, que ignoramos a astúcia natural, segundo a qual um veneno pode ser doce, tragamo-lo avidamente em cada discurso demagógico, sorvemo-lo em cada panfletária manifestação do aparelho do Partido Socialista, certo de que, a este ritmo, a consciência dos cidadãos portugueses estará comprometida em 5 de Junho, data em que qualquer difusa lucidez ou lapso de memória podem consubstanciar-se num voto no PS. Por isso, fica o apelo: quando escutarem discursos de um patriotismo torpe, digno de um Afonso Henriques, que, ao abrigo de uma PPP, erigiu um castelo em Matosinhos, ou oiçam apelos maniqueístas, tais como: "Está o PS comigo?", capazes de fazer ruborizar o líder Norte-Coreano, Kim Jong-Il, ou ainda se vos disserem que um voto no PS é um voto à esquerda, quando tal suceder, CUSPAM – metaforicamente, pois claro – a doce cicuta, que vos corre pela garganta.

A Viagem

(Elaborado na sequência de um trabalho proposto na disciplina de Português, subordinado ao tema: A Viagem)

A viagem é o meio de conhecimento humano. Qualquer processo, por mais intelectual ou sensorial, de obtenção de conhecimento, está subordinado à viagem. Em verdade, implica que nos desvinculemos de nós, em demanda do desconhecido. A viagem assume-se, então, como uma marca essencial no desenvolvimento antropológico, traçando o limbo entre a sabedoria e a ignorância.

Mas deixemo-nos desta estética figurada, que em muito equivoca e em nada esclarece, e explicitemos a matéria em análise. Quando nos debruçamos sobre nós, em busca de uma verdade esquiva, que, decerto, nos mudará a vida e poupar-nos-á a avultada quantia que deixamos mensalmente no psicólogo, é uma viagem. Quando o João, rapazinho de escola com os sentidos efervescentes, fita o denunciado decote da rapariga que avista ao fundo da sala, é uma viagem, mais libidinosa, convenhamos, mas ainda assim uma viagem. Através dos exemplos atrás elencados, a conclusão torna-se óbvia: a viagem é comum e indissociável de toda a experiência humana, porém sê-lo-á qualitativamente?

De facto, os aspectos que mais influem na qualidade da viagem são: o tempo histórico e o conhecimento prévio. Procurarei ilustrar retrospectivamente o primeiro argumento. D. João I achava-se entediado com os milenares pleitos entre cristãos e infiéis. Estes já não constituam uma viagem, pois, de tão praticados, estavam despojados de todo o mistério. Numa época em que a Europa começava a irromper das trevas, havia um clamor velado, mas generalizado, no sentido de se descobrir, de se viajar. O rei português atende ao pedido, empreendendo uma expedição temerária, primeiro ao Norte e, de seguida, ao longo da costa africana. Por certo dirão que estou a efabular a História, as viagens de D. João I terão sido outras, conhecido que ficou pelas suas incursões aos aposentos das cortesãs do reino, deixando os marinheiros, esses sim, a braços com o impiedoso escorbuto no meio do Atlântico. Se pela provação não passou, para a posteridade fica como o mentor da expansão marítima portuguesa, já que contra as insensatas roldanas da história nada posso fazer. Votemos o rei ao seu descanso eterno e extraiamos ilações: sem dúvida, era um outro tempo. À época, os homens encontravam-se apostados em perscrutar o mais remoto detalhe de uma Terra virgem, insondada e vasta, conquanto para isso tivessem de exorcizar os seus mais profundos receios, originários de um período onde o feudo espartilhava o Homem, e o impedia de viajar - de conhecer. A questão impõe-se: Será que esta audácia, traduzida numa vontade infrene de conhecer – viajar -, hoje prevalece? A resposta contemplará o segundo argumento: o conhecimento prévio. Em verdade, naquela época, a sabedoria era escassa, residual, aliás, salvo raros pólos, poder-se-ia mesmo dizer inexistente. Ainda assim, uma fome insaciável da matéria a conhecer permitirá, a séculos de gerações diligentes, edificar o conhecimento contemporâneo. E hoje? Hoje que a informação é copiosa, as fontes são múltiplas e o conhecimento está à distância de um clique, o que sucede? Assiste-se a uma inflexão da conduta das massas, outrora tão envolvidas com parcos recursos, agora abúlicas e alheadas. A viagem foi destituída de vicissitudes e a alienação apossou-se da sociedade. Contudo, numa história recente, o artifício de uma viagem simplificada, liberta de uma deslocação física e de uma escolástica ideologicamente vincada dos meios de comunicação escrita, já inspirou muitas paixões. Quando, numa sociedade em convulsão como na década de 60, a fiel realidade das objectivas, que cobriam a Guerra do Vietname, deslindou o conceito do esforço patriótico, opondo os crimes de guerra norte-americanos à panfletária crença de uma nação na cruzada pela democracia, uma imensa torrente de pessoas encheu as avenidas. Mais elucidadas que nunca, as pessoas encontravam-se perplexas perante a possibilidade de viajarem por meio do simples acesso ao seu televisor, sendo criado um ambiente de adesão massificado. Porém, com o volver dos anos, a toada já prosaica da tecnologia de informação extinguiu o fenómeno.

Actualmente, só uma pergunta subsiste: porquê procurar conhecer - viajar? Eu próprio me debato com esta questão. Todos os dias, as estações noticiosas presenteiam-nos com a sua gama de comentadores, que gentilmente nos mastigam, digerem e defecam, até, a informação. O mais ilustre de todos eles será mesmo José Pacheco Pereira. Este vulto da verborreia portuguesa, que aborda todos os assuntos com a mesma aparente propriedade e tem a idiolatria por religião, é a personificação de uma viagem incompleta. No seu espírito há muito que operou uma revolução ideológica, que o conduziu ao neo-liberalismo, todavia, exteriormente, a sua compleição é capaz de converter o mais inveterado dos ateus socialistas, fazendo-os crer, sobretudo pela cópia fiel da barba, que Karl Marx regressou à Terra. Afastando-nos da ironia, foquemo-nos no seguinte: pode este saber sintetizado ser prolífico à sociedade? De modo algum. Ao ser sermos fiéis receptores desta palavra depurada por outrem, igualamo-nos aos seguidores de Marco Polo, que não obstante ter sido um exímio explorador, não se coibia de fantasiar aspectos das suas viagens, a fim de estas se tornarem mais sedutoras e do agrado de um enorme contingente de pessoas. Claramente isto não é viajar.

Viajar compreende focalização interna e externa. Os olhares simultâneos, para nós e para o outro, são elementos complementares, cuja desarticulação resulta numa experiência imperfeita: ou não registamos devidamente o observado durante a viagem, ou o acomodamos na mente sem submissão à nossa consciência.

Em suma, a viagem, enquanto meio de conhecimento, alavanca todo o progresso humano, sendo, porém, susceptível de factores como o tempo histórico ou o conhecimento prévio, que poderão condicionar, negativa ou positivamente, a qualidade e a celeridade do processo.

O autor deste texto gostaria, antes de terminar e em jeito de adenda, de lançar um repto a duas personalidades, que, em seguindo as minhas solicitações, certamente contribuiriam para um esclarecimento mais pleno da sociedade portuguesa. Ao professor Medina Carreira, rogo-lhe que regresse ao seu corpo. Segundo julgo saber, o professor abandonou-o logo após 1978, data em que se evadiu da pasta das finanças e rumou ao cerne do seu ser, nunca mais tendo regressado, quanto a mim devido a um narcisismo patológico, quanto ao professor devido à sua grande auto-estima. O seu corpo foi depois tomado por Nostradamus, cuja idade, infelizmente, já só lhe permite elucidar os portugueses em plano inclinado. Para o doutor José Pacheco Pereira, tenho por prece que siga a metrossexualidade dos seus pares e que, entre a hecatombe de liftings e de peelings, não tenha disponibilidade de falar à população. Sem estes dados consumados, não tenhamos dúvidas: até o mais intenso Sol de Atenas pode vir alumiar a mente mais obscura, até a mais frutuosa viagem pode ser percorrida pelo povo lusitano, que estes senhores, assim como outros, estarão, quais velhos do Restelo, a prenunciar a desventura das caravelas que seguirão para a Índia, a mais insigne das viagens nacionais.