terça-feira, 23 de agosto de 2011

Aquele querido mês de Agosto

Agosto é um dos meses emblemáticos da história da União Soviética e dos ditos países de influência soviética. Os anos de 1968 e 1991 são exemplos históricos elucidativos da tremenda crise ideológica, económica, partidária, política, militar e, com efeito, social que entranhava o socialismo real. O que fez o sistema comunista cair? Vários mecanismos inerentes ao próprio sistema comunista!


Um desses mecanismo, que é pouco frisado, como responsável na queda do regime comunista é o Centralismo Democrático e o papel dominante do partido à frente do Estado. Efectivamente, o Centralismo Democrático é uma forma de organização vital para uma "tomada de poder", pois permite aglutinar um conjunto de indivíduos organizados, disciplinados, coeso e com grande sentido de classe com vista a concretização de projecto socialista/comunista. Nesta forma organizativa a discussão, a reunião e o debate são uma constante quotidiana. Todavia, se na "tomada de poder" o Centralismo Democrático é consequente e incisivo, a frente de um Estado tal teoria tem um potencial melindroso. A história do comunismo contemporâneo atesta tal facto, pois depois da "tomada de poder" os vários partidos comunistas foram diminuindo a capacidade de diálogo interno, a democracia partidária enfraqueceu, aumentou o fosso entre as populações locais e os dirigentes do partido, a burocracia estatal-partidária aumentou, o charme do ideal desapareceu e perante a discórdia a repressão/invasão era o caminho. O partido e seus dirigentes continua intitular-se como a vanguarda da classe operário e dos trabalhadores, no entanto os trabalhadores, inclusive a classe operária, deixavam gradualmente de se rever no partido. Sem embargo, a análise teórica da realidade cessou, o marxismo que é, acima de tudo, uma ideologia contra estaticismos ficou estático naqueles anos. Em 1919 um importante marxista alemão, Karl Kautsky, vaticinava tal facto (A Ditadura do Proletariado):
«A luta de classes proletária, enquanto luta de massas, pressupõe democracia... As massas não podem ser organizadas secretamente, e acima de tudo, uma organização secreta não pode ser democrático. Conduz sempre à ditadura de um único homem ou de um pequeno grupo de líderes. Os membros vulgares só podem tornar-se instrumentos para executar ordens. Um método destes talvez seja considerado necessário para uma classe oprimida na ausência de democracia, mas não iria promover a auto-governação e independência das massas. Em vez disso, aumentaria a consciência messiânica dos líderes e os seus hábitos ditatoriais».


Por fim, um dos próprios méritos do regime comunista foi também um dos seus coveiros: a educação. Os regimes comunistas empenharam-se, - de forma triunfante é preciso dizer -, na alfabetização das suas populações. Desse modo o analfabetismo acaba por adelgaçar drasticamente. Com efeito, o número de indivíduos com um curso superior aumenta bruscamente, ou seja, o regime comunista é responsável pela produção de uma ampla massa intelectual, permitindo uma tremenda mobilidade social. Parafraseando o crítico soviético Alexander Zinoviev, «a revolução acabou por produzir alterações. Vejamos a minha família, que eram camponeses. Como resultado da colectivização da agricultura, os meus pais perderam tudo o que tinham. Mas o meu irmão viria a ser gerente de uma fábrica; o segundo mais velho chegou a Coronel; três dos meus outros irmãos formaram-se como engenheiros; e eu tornei-me professor na Universidade de Moscovo. Ao mesmo tempo, milhões de camponeses russos receberam uma educação formal». É dessa nova massa intelectual que emergem os críticos, e futuros reformadores , do sistema comunista (tal como Zinoviev).


Hoje em dia está mais que confirmado que não foi a crise que originou uma profunda reforma no sistema, mas sim o contrário, a reforma do sistema desencadeou a crise final do regime. Portanto, muitas ilações o movimento marxista deve tirar dos Agostos de 1968 e 1991.

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